Faz tempo que te escrevo uma carta de despedida, logo eu que não gosto de despedidas, talvez por isso escreva, apague, volte a escrever, procure sinónimos.
Gostava de te escrever algo simples, mas eu tenho esta mania de complicar, não sei escrever objectivamente como quem soma dois mais dois.
O pior de tudo é começar... Olá? na.. na.. na..
Que te direi eu?
Desta vez há-de ser uma carta sem rodeios, preto no branco, sem blá blá blás como nos testes de filosofia do secundário em que 90 por cento é palha para mostrar que até se dá uns toques na matéria... pronto lá estou eu a divagar!
Retomando:
EU + ESTOU + A + ESCREVER-TE + PORQUE...
Sim, tem de ser assim.
E depois é esperar, pela minha morte, de uma vez por todas, que a tua "não resposta" seja por si só uma resposta. Nada de tentar iludir-me com desculpas absurdas do tipo "ah ele não recebeu a carta", "E se a resposta se perdeu?", nada disso! Fica já aqui selado o contrato!!!!
É impossível que algum carteiro te faça chegar todas estas cartas sem morada e remetente que te escrevo. Mas se algum dia, daqui por muitos anos por algum encontro, desencontro ou coincidência... daquelas partidas do destino, alguma destas cartas te chegar, quero que saibas que esta noite vim aqui para te dizer "Bom soninho, meu querido!"
Se eu fosse uma carta...
Se eu fosse uma carta queria ser uma destas que te escrevo, nunca uma daquelas que albergam conversas de circunstância, como quem passa a batata quente, do tipo "Olá tudo bem?... Nós por cá menos mal".
Meu querido, Amor, Querido Amigo, Ex.mo, Fulaninho, Caro Senhor, Estimado cliente seriam inicios apagados antes de escritos! Saberias ser destinatário anónimo, exclusivo. Não precisarias de apresentações.
Seria uma carta urgente, de alta prioridade, longe da formalidade.
No envelope, a vermelho vivo, pintado de fresco, teria escrito "frágil".
Ausente de despedidas, uma carta sem vocativo e sem fim, carregada de post scribere que indiciam uma próxima correspondência...
Teria caracter impermeável para poder receber as minhas lágrimas sem borrar o pertérito perfeito já escrito e assim o pudesses receber sem dúvidas de caligrafia.
Se eu fosse uma carta queria ter resposta, o troco na minha caixa de correio.
Quem me dera ser dona de todas as palavras do mundo para poder descrever-te o que sinto e ter o dom de o resumir a um slogan publicitário, simples, retórico e de fácil memorização.
Cartas e mais cartas
Palavras escritas
Lágrimas garatujadas
Sons apagados do papel
Discos riscados de tanto soar
Tudo, só para te imaginar
Adivinhar o sorriso do teu ler
Imaginação... é um país enorme e sem fronteiras
O lugar das possibilidades
Onde sonhos e criatividade se tornam marido e mulher
Sem que a morte os separe
Mas... a imaginação pode ser a nossa maior inimiga!
Oh realidade redutora! Cidade inacabada
Tenho ideia de estar presa dentro de uma música que não sei cantar, daquelas que estão debaixo da língua.
É como habitar um casulo, feito à medida do nosso corpo, que gira e roda em seu redor, incessantemente, produzindo calor, afecto, alegria. Acontece-me ocasionalmente.
Sou puxada para dentro de uma espiral de comoção e não consigo sair (senão com muito esforço, quando o mundo exterior chama com muita força).
A tentação da fuga é absoluta, escapar a todo o ruído acessório.
Assim é viver um amor até às últimas consequências... Escrever cartas diárias sem destinatário, aguardar respostas sem remetente...
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